quinta-feira, 17 de março de 2011

Corpos Mutantes



Segundo Edvaldo Couto “onde tudo é veloz, nada é estável, tudo deve estar pronto para consumo imediato, vale experimentar e exercitar outros valores como a satisfação instantânea... o culto ao corpo se tornou um estilo de vida e o corpo deve ser continuamente turbinado para acompanhar a sofisticação das máquinas”.  No capitulo “Uma estética para corpos mutantes”, do próprio Edvaldo Couto, é o consumo que nos controla tecnologicamente. Idealizar um corpo híbrido, de carne e prótese, veloz e asséptico, acreditando na desconstrução do corpo a partir do imaginário tecnocientífico, que preconiza a precariedade da carne, que pode ser substituido por mecanismos controláveis, abolem sua fragilidade e afastam toda e qualquer possibilidade de  mortificação.
A interferência da tecnologia no comportamento humano, na sociedade contemporânea vem consumindo uma tecnologia que possibilita as mais variadas retificações no corpo.
O culto ao corpo se tornou praticamente um estilo de vida contemporâneo e assim, nesse cenário, a identidade dos corpos corresponde ao equilíbrio entre beleza, saúde e juventude.
Manifestações culturais de transformação corporal e suas vestimentas que marcaram épocas, existem por intermédio dos rituais de beleza, da demonstração de coragem das mais diversas tribos primitivas, na utilização de tatuagens, escarificações, e, até mesmo, nas deformações de determinadas partes do corpo.
Nossos corpos permanecem como objetos de arte e desejo em decorrência indubitável de uma obsessão estética.
Na mídia, a busca pelo corpo ideal assume ares de compromisso irresistível. Ser belo, ter mais energia e permanecer sempre jovem é o discurso permanente. Falar das possibilidades relacionadas com o corpo é atender a uma questão social, pela qual a moda de valorização do corpo rompe a timidez e o conformismo de cada um para vivermos um tempo, em que a revelação dos desejos de transformar o corpo se converte em opção sedutora.
Segundo o autor, a cultura midiática valoriza e solicita o aperfeiçoamento corporal através de práticas que procuram atualizar, acelerar e dinamizar a performance dos indivíduos. O corpo, então, tornou-se uma representação provisória, um lugar ideal para encenar os efeitos especiais. A metamorfose passa a ser regra.
Somos sujeitos de muitas identidades, nosso corpo é uma fonte perpétua de significações. A presença de uma cultura hedonista e individualista que se manifesta na busca pelo bem-estar, felicidade e realização pessoal nos leva a ter cuidado com o corpo, afirma Couto, celebra a cultura da limpeza corporal e das práticas esportivas, com os sujeitos empenhados no aperfeiçoamento corporal e no revigoramento físico. “E esta celebração, como revela Lipovetsky, é a principal estratégia publicitária para banir o caráter do dever e da obrigação que no passado cercavam os hábitos de higiene e manutenção corporais. A antiga liturgia dos deveres é substituída pela sedução.”
(COUTO, 2001, p. 38).
Para os que seguem essas transformações, em ritmo cada vez mais intenso, não há tempo para refletir. O mundo vive o ‘agora’.
Essas exigências, porém, excluem os que não se adaptam ao ‘novo’ ritmo. Até os vocábulos precisam ser articulados.  O capitulo “Velhice, palavra quase proibida; terceira idade, expressão quase hegemônica”, segundo Annamaria Palácios, “ainda que aponte para a etapa final da vida, a nomenclatura terceira idade faz desaparecer a alusão direta a vocábulos tão semanticamente marcados, como velhice, senilidade e envelhecimento”., o aumento da população idosa nos leva à criação de uma terceira idade caracterizada por uma maior atividade dos idosos, direcionando-se principalmente para o autodesenvolvimento. A qualidade de vida, neste caso, estaria vinculada à glamourização do envelhecimento saudável e na condenação daqueles que não se engajam nas atividades associativas como as atividades físicas e de lazer. Quanto ao vocábulo, os próprios idosos parecem requerer a si uma nomeação que rejeite tais termos em nome de pertencerem à chamada “terceira idade”, “melhor idade”, “maturidade ativa”.
O corpo é objeto de reflexão através do princípio de motricidade. No cap. “Corpos Amputados e Protetizados: “naturalizando” novas formas de habitar o corpo na contemporaneidade”, texto de Luciana Laureano Paiva, o corpo é observado por diferentes perspectivas. Ele nos personifica e nos torna presentes no mundo. O corpo é o responsável por nos conectar com o mundo. Apesar do limite físico de nossos corpos, da nossa própria pele, ele é o nosso elo de comunicação com o meio sociocultural. Nosso corpo é nossa principal referência para construção da nossa identidade A autora num olhar mais atento fez sua pesquisa  em uma clinica privada de Santa Catarina, observando corpos submetidos a amputações cirúrgicas com o intuito de resgatar a sua funcionalidade corporal e a reintegração social pelo uso de próteses funcionais. Os diferentes, os deficientes, os imperfeitos ou até mesmo chamados de anormais numa sociedade que privilegia a perfeição e a normalidade, o corpo amputado significa também perder a normalidade e passar a ser visto como ineficiente. As causas mais comuns de amputação dos membros inferiores e superiores são de ordem vascular, por tumores e traumas decorrentes de acidentes em diversas situações. Dessa forma, deve fica claro que os procedimentos para amputação de membros inferiores ou superiores é um ato de restauração de um órgão enfermo e não uma mutilação. Nessa conjuntura, é fundamental um trabalho integrado dos diversos tipos de profissionais envolvidos na reabilitação do paciente para estimular e valorizar a capacidade residual da pessoa atingida e assim buscar uma recuperação total. Refletir  sobre os efeitos, todas as transformações ocorridas nos corpos dos indivíduos amputados, um olhar menos perturbador pode causar menor impacto, pois a amputação é a morte real de uma parte do corpo do indivíduo, de um estilo de vida e de sua identidade. Mas a tecnologia está cada vez mais presente na vida das pessoas através das próteses.Dessa forma “o corpo tornou-se lugar privilegiado das técnicas e o destino certo das máquinas” (Couto, 2001 p.87).  As máquinas passam a ser artefatos protéticos, componentes íntimos e amigáveis de nós mesmos.
O autor Varlei de Souza Novaes, no cap. “A performance do híbrido: corpo, deficiência e potencialização”,  analisa os corpos dos deficientes físicos  na contemporaneidade, pois a sociedade inventou e continua a reinventar o corpo como objeto de inúmeras intervenções sociais, técnicas e tecnológicas, o que nos leva a interrogar: que possibilidades hoje nos são abertas  e que experiências nos são possíveis? Falar de corpos diferentes é também falar de seus estigmas, ocultamentos e dos olhares a eles dirigidos.
O autor fecha o foco especificamente para os atletas deficientes físicos. A sociedade aceita o corpo normal, mas o corpo deficiente está sujeito a preconceitos. A partir dessa realidade, o corpo híbrido, mistura homem/máquina está  cada vez maior. Esta facilidade de ser híbrido, com um corpo com informações distintas, potencializa e possibilita a esses corpos novas  ações e performances.Os artefatos técnicos que ingressam no corpo humano, podem recompor o ritmo e remodelar sua forma física.
Um trecho do texto de Edvaldo Couto ilustra bem o conjunto da obra:
“Vivemos uma época de importantes conquistas técnico-científicas – implantes, transplantes, órgãos artificiais, mapeamento genético, clonagem, produção industrial de kits de testes para diagnósticos, novos medicamentos etc. – que permitem a sobrevivência de doentes que estariam condenados a morrer em pouco tempo e, principalmente, o aperfeiçoamento corporal de pessoas que desejam melhorar a aparência e performance em geral.” (p.49-50).

Nenhum comentário:

Postar um comentário